quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Você está aberto(a)?

A Política é a arte da possibilidade. Essa definição, defendida por Otto von Bismarck, qualifica as nuances da política como transformação, a transfiguração de um objetivo. Como ninguém, ele elevou essa arte ao extremo para alcançar um objetivo: a unificação alemã. Dialogando entre interesses diversos, o conde manipulou os interesses a sua volta para sua finalidade suprema.

Não obstante, se Bismarck, com sua conceituação, estiver correto – e nada determina o contrário – pode-se definir possibilidade como articulação entre duas opções, afinal, não há escolha sem opção. Articular-se-ia em prol de um objetivo, e objetivos são sempre de interesse. Conclui-se que o sucesso para a articulação política, então, encontra-se na manipulação do interesse.

No século 21, as forças de interesse se confrontam na ágora moderna, a internet. No ciberespaço, encontra-se todo tipo de forças disputando a atenção do único ator que importa, os interesses do povo. Tal estrutura permite a manipulação de dados e do senso de realidade dos seus usuários. Como demonstrado no documentário Dilema das Redes, todos os esforços convergem para a permanência do usuário, por mais tempo possível, pelo reforço positivo.

O psicólogo Pavlov, em seu experimento com cachorros, comprovou que é possível ter uma reação fisiológico, e psíquica, quando estimulados por forças externas. O reforço positivo funciona como uma droga para o cérebro. Ao confirmar os gostos do usuário, unindo-se com programações comportamentais, indicando apenas conteúdos que os permitam ficar na plataforma, reafirmam-se preconceitos que muitas vezes não se confirmam quando em confronto com a realidade.

O resultado negativo se comprova quando não há possibilidades de comunicação, pois o locutor e o interlocutor estarão falando diferente sobre a mesma coisa: é o chamado ruído na comunicação. Em contraponto, o dialogo se apresenta como cura para a ignorância política ao boicotar a articulação imposta por terceiros. Ao se abrir à comunicação, os agentes políticos que importam, o povo, permitem o confronto de perspectivas. Isso causa um efeito transmutado da definição do Bismarck: as possibilidades, agora, não surgirão por interesses ditatoriais, mas da convergência de um senso de pertencimento social.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

É isto um Homem?

 

Resenha sobre uma pequena parte de um grande livro. Do capítulo nove, do livro a Ordem Mundial, de Kissinger, extrai-se essas particularidades empolgantes e intrigantes.

O fator Humano.

Desde a primeira revolução industrial, a relação entre as criações das imaginações do Homem e ele próprio mudaram a passos cada vez mais largos. A Filosofia há muito procura responder de qual essência se diz ao definir esse sujeito, esse agente transformador. Longe da resolução final da questão, poderíamos usar a definição apresentada pelo próprio Kissinger.

Rastrearam a evolução da sociedade por fatores que tinham sido “semeados na natureza humana”: a capacidade de raciocinar de cada indivíduo, uma aptidão poderosa, ainda que passível de erros, e seu inerente “amor-próprio”, de cuja interação “diferentes opiniões virão a ser formadas”; e a diversidade das capacidades humanas, da qual “resulta imediatamente a posse de diferentes graus e tipos de propriedade” e com elas uma “divisão da sociedade em diferentes interesses e partidos”. (KISSINGER, 2015)

A construção conceitual exposta extrai várias características que podem até não resumir e determinar a essência da Humanidade, mas explicita as suas características fundamentais: a capacidade intelectual, com um cérebro possuidor de mais neurônios do que estrelas na Via Láctea; o egoísmo próprio do Ser Humano, que, ao interagir com o Mundo, gera opiniões mutantes; a capacidade de adaptação transformadora, essa força motriz de transformação do espaço; e, por fim, os interesses. Cada característica exposta possui papel fundamental na vida política de uma sociedade. Toda relação é política, que surge pelo interesse, cujo objetivo surge do egoísmo.

A conclusão por essas características surgiu de um mundo diferente do atual. A realidade anterior não é mais a dada, essa atual, a presente a nossa volta. O filtro que antes era analógico, virou digital, a qual não aprendemos a lidar, pois a nossa consciência ainda se encontra programada no nível da realidade falida. Há, portanto, uma dissonância cognitiva, uma convulsão, não apenas cultural, mas também do entendimento do que é real.

Um novo curso se apresenta, com vantagens e desvantagens. Apesar disso, para liderar a transformação em direção a algo que não se identifica, nem temos consciência do que seja, nem nunca estivemos, precisamos entender o lugar em que nos encontramos para, assim, não projetarmos no futuro algo arraigado, familiarizado. Nesse caso, a chave para o sucesso é a Sabedoria.

Em que lugar entra a tecnologia do século 21? A força da internet é no factual, no real, nos valores já existentes, formulados pelo consenso e não pela Sabedoria. Todo o conhecimento, tanto histórico, quanto geográfico, até matemático, não é mais introspectivo. Nós não mais precisamos pensar, basta-nos acessar.

“A atitude mental apropriada para trilhar caminhos políticos solitários pode não parecer óbvia para os que anseiam por confirmação por parte de centenas, às vezes milhares, de amigos no Facebook”. (KISSINGER, 2015)

Trata-se, portanto, de uma atitude mental, e ela, meus amigos, pode ser moldada. Muitos, e o senso comum também, quando enviesado pelo bom senso, dividem o alcance da mente em três categorias: Informação, Conhecimento e Sabedoria. O foco do mundo da informação é ela mesma, a Informação. Banalizou-se a informação. Uma procura rápida já demonstra o que se deseja. Não há atitude mental, a pessoa, nós, perdemos a atividade, o ato de sentar e pensar introspectivamente. Não há processo evolutivo da atitude mental enquanto houver comodismo. O excesso empurra o Conhecimento, afastando ainda mais a Sabedoria.

Com o excesso e a alta facilidade, o foco no Significado diminuiu. Não há mais necessidade de confirmação, logo, um viés confirmatório surge. Aquilo que procuro já é verdade garantida. O resultado é que a manipulação da informação, de como a recepcionamos, substitui a reflexão, que é o principal meio de se transformar. “A informação na ponta dos dedos encoraja uma atitude mental adequada a um pesquisador, mas pode vir a diminuir a atitude mental necessária a um líder”. (KISSINGER, 2015)

O Ser Humano ainda é o ponto central de toda e qualquer forma de transformação no mundo. Precisamos propagar a atitude proativa para uma Sabedoria renascida. Trata-se da percepção da realidade e do nosso alcance no seu seio.  Em tudo, o Ser Humano é responsável pela forma como conduz sua vida e a do próximo. A internet pode aumentar ou diminuir as características apresentadas acima, mas o resultado dependerá apenas das escolhas que fizermos.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Copa do Brasil

Você sabe o que é Presidencialismo de Coalizão e como isso te afeta? – 

Nada mais é do que a forma como nosso Presidente e o Congresso se relacionam. Como eles negociam para alcançar os objetivos nacionais.

Um tal de Sérgio Abranches, sociólogo, entendeu que nosso Sistema Político funciona de uma maneira própria, um jeito misto de se fazer política. Nosso sistema pega a “representação”,  quando escolhemos em quem votamos, e une com a organização em “grupos”, denominado de Coalizão, para alcançar os objetivos prometidos em campanha.

Difícil? Deixem-me facilitar.

Imagine um time de futebol e um campeonato. Temos um técnico, o nosso Presidente, que possui um plano, sua política de Estado. O campeonato será o nosso Sistema Político Brasileiro. Para vencer no campeonato, o presidente criará um time com jogadores, os partidos aliados. Lateral direita, centroavante, lateral esquerda, goleiro, todos esses “partidos” possuem interesses próprios. Na busca pela vitória, o técnico formará um time diferente para assim conseguir implementar sua estratégia para a vitória, essa estratégia é a sua política estatal. Esse time é a Coligação. Sem essa coligação, o técnico não vence o campeonato.

A cada novo jogo, o técnico refaz a escalação e, durante a partida, faz substituições para melhorar o desempenho do time. O seu time, sua base de apoio, acaba sendo mudado no decorrer do campeonato. Na estratégia para a vitória, o técnico, o nosso Presidente, seguirá os seguintes passos:

1 – Traçará a “constituição da aliança eleitoral”, são os requisitos necessários para adentrar ao time. A composição desse time, dessa aliança, seguirá os princípios criados por essa estratégia.

2 – É a escalação do time propriamente dita. Aqui será dada a função de cada jogador. Distribuição de cargos, funções e trabalhos. O lateral direito trabalhará no Ministério da Justiça, o esquerdo, no Ministério do Trabalho. O objetivo é assegurar os melhores jogadores em cada função.  

3 – Agora o jogo começa. É dado o apito inicial. “Bola em jogo”, já dizia Galvão Bueno. As estratégias estão prontas. Os jogadores sabem suas funções. As políticas governamentais são implementadas para a vitória da política estatal presidencial.

Percebam que sem essa Coligação o País fica ingovernável. O motivo é bem simples: sem a figura central de nosso técnico não teríamos uma forma de coordenação. A forma de governo presidencialista, somada ao estilo parlamentarista do nosso congresso, obriga o técnico a procurar apoio formando o Governo de Coalizão. 

Logo, fica claro que, para a vitória do time, a atenção ao voto, tanto do Presidente quanto dos Congressistas, é essencial para a boa gestão. Afinal, o que não queremos é um gol contra, ou uma desarticulação no melhor estilo sete a um.

domingo, 5 de abril de 2020

As últimas testemunhas, Svetlana Aleksiévitch

Por Lucian Freitas.

Um cachorro doente, de nome Cláudio, chega ao veterinário. Após alguns exames o parecer, Claudio será sacrificado. Sua dona pergunta ao doutor se ele sofrerá; no que ele responde que não, pois será o mais humanamente possível. E se o paciente, Claúdio, fosse uma criança, ainda seria humano o sacrifício?
Essa pequena história nos demonstra o questionamento do que seria uma atitude humana. A resposta anda de mãos dadas com a descoberta da essência do Ser Humano. Temos em alta a vida humana. Culturalmente é o mais importante tesouro. Aquele que deve ser protegido e honrado todos os dias da semana, de segunda a domingo, menos em meados do século 20, cujo período chamaremos de quarta-feira à tarde de um dia chuvoso.
Em algum momento da nossa história, um adulto, sempre eles, pegou seu banco, levou a praça, subiu e lá decretou: — somos os mais importantes de todos os seres vivos! Esse adulto, de nome Adalfo, frustrado, pequeno, metido a besta e conhecedor da profunda espiritualidade humana, investigador a nível superior de Sherlock Holmes, percebeu o segredo do sofrimento humano: a jew — saúde — os judeus.
Sagaz como toda pulga em pelo de Lobo, Adalfo, com muita luta, conseguiu companheiros para sua trajetória heroica e fundou um grupo de socorro, uma Liga da Justiça, o Partido Nazista. Todos seres perfeitos que não defecam e nem limpam o nariz após espirro em tempos de gripe. Eles acharam por bem levar a salvação a todos a sua volta. A Europa pedia socorro. Desculpem-me a ousadia de dizer que vocês foram enganados pelo Globalismo e revisionismo materialista-social.
Svetlana decidiu botar a prova esse revisionismo e saiu à procura de testemunhas que comprovassem o heroísmo alemão. Acabou por se encontrar com as pessoas que não foram à guerra, mães e filhos sobreviventes dessa luta completa e inteiramente carregada de motivação essencialista, ou seja, se corressem o bicho pegava e se ficassem o bicho comia.
Seus relatos alcançam além das memórias heroicas e verdades lindas e maravilhosas das salas de cinema. Essas memórias retratam o seco, o duro, o sujo, o terrível do que é ser o lado mais fraco desse cabo de guerra. Cada página do livro é um chute nas genitálias com uma bota de bico de aço
embebida em mertiolate. A vivência dessas crianças vendo suas mães, avós e avôs rebaixados a menos do que animais sem nome — porque animais de nome Cláudio são mais do que isso, são da família. Atualização de definição de humanidade realizada: humanos são animais com nomes bonitos.
As últimas testemunhas é os relatos desses sobreviventes. Cada narrativa, cada memória, simboliza o que há de pior no ser humano: achar-se no direito, desde que esse direito seja o que ele acha que é.
Seres humanos não deveriam ser definidos por sua Biologia, se assim fossemos, a definição seria de “pacotes fétidos de carne, merda e sangue”. Nem por sua Cultura, pois ela é apenas reflexo de algo mais importante. Nem como entidade superior, definição dada por uma força superior, se assim fossemos, o engenheiro genético deveria voltar ao primeiro semestre da graduação na aula de princípios fundamentais de não cometer merda a criar algum ser vivo.
Não! Nós somos as memórias, as histórias que contamos. Sendo assim, se a Memória é como o lago nascente da constituição humana, Svetlana é o canal que transporta histórias para a memória coletiva de toda a Humanidade. Somos memória, somos a história que une essas memórias, somos a história que contamos sobre nossa história.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

A velocidade da Luz

Javier Cercas

O devir da crítica

No xadrez, o início do jogo é de extrema importância. Alguns priorizam as aberturas chamadas de clássicas, outros, as mais modernas, que ditam que não há abertura superior e sim a necessária ao sucesso. Na teoria crítica, existem diversas correntes que direcionam a análise da escrita, da Fenomenoloia à Psicanálise.
Dentro dessas duas possibilidades, escolherei a mais libertária. Para desconstruir toda essa história, utilizarei de tudo ao meu alcance para o sucesso dessa critica. Minha escolha se pautará por uma imperatividade, o bom entendimento dessa história. E para tanto partirei da premissa de "análise livre", traduzir o que apreender do texto.
O início da história começa como qualquer outra, com um jovem sonhador. Seu desejo é ser um escritor e, junto com um amigo em um bar, recebe um convite. Esse convite é para ser professor em uma faculdade nos Estados Unidos. Como todo escritor deve ser viajado, ele partiu e lá conheceu Rodney. Esse fato o marcou para sempre, pois não sabia e não entendia como um cínico o conquistara. Rodney é desiludido e tem percepções não idealistas sobre a Vida. Ávido leitor, principalmente de Hemingway, sua crítica sobre o que é ser escritor abalou nosso herói. Afinal, o que é ser escritor? Eis a grande questão dessa história.
Não apenas a busca pela essência, mas também pela busca de entendimento do porquê contamos história. Talvez seja a arte mais antiga do Homo Sapiens, porém a narração é com certeza a primeira a ser marcada na pedra. Muitos percebem as pinturas rupestres como um dado de um tempo há muito esquecido, algo finalizado e pronto como foto. Porém, são  mais do que isso, são o simbolo de uma vontade em um contexto, essas pinturas possuíam uma intenção: se fazer presente no mundo.
Ora, quem não? Fechem os olhos e busquem na memória: quem somos nós? quem são vocês? Conseguem se apresentar como produto pronto? Um ser realizado? "Eu sou aquariano e por isso, junto com o sol em saturno, blá blá blá". Quando busco em minha memória, é a história que eu conto sobre os acontecimentos em minha vida que acabam ecoando na forma como me vejo. 
Aqueles hominídeos, que marcaram a pedra, estavam indo além de um simples ato, eles estavam representando. Representando a si no mundo, estavam moldando o mundo, não aquele de terra e água, mas esse desenvolvido, o nosso lar. Contar história é sedimentar a imaginação como realidade e sua transformação. (Calma, amigo, volta - está me dizendo que sou um fruto imaginário de uma história? Dêem um óscar a este rapaz. Sim, é exatamente isso que estou dizendo.) A sua percepção sobre você é a história que você conta a si, e a percepção dos outros, do que somos para eles. São entidades diferentes, mas também o mesmo ser. Desculpe a desilusão, no final somos coringas em uma narrativa falha e hipócrita.
Com o narrar do livro, a protagonista se vê presente em mudanças conflitivas alheias a sua vontade. Diferente do que a personagem do início sonhara, não é apenas a vontade que muda a vida, a vida também muda nossa vontade. Rodney é um monstro, pois lhe contaram uma história que justificou genocídio sem propósito, e todos sabemos que genocídio sem propósito, ou com propósito, é vazio. O abismo aumenta na medida em que o encaramos. A personagem é um monstro. As pessoas a nossa volta também, porque assim os autorizamos.
No fim, com um belo cinismo, a personagem volta ao mesmo lugar do início: um reflexo cínico. No mesmo bar, ele percebe que histórias foram feitas para serem contadas, mesmo sem serem entendidas. Não cabe ao escritor entender, e sim contar, pois é no ato de transformação pela narrativa que o irreal se solidifica e, assim, talvez consigamos superar esse vazio.

sábado, 8 de abril de 2017

Essa é a última parte do meu primeiro conto escrito seriamente. Três ao todo, foram 4 semanas de escrita. Para ler deve-se começar da parte um, e ler em sequência. Para aqueles que leram desde quando comecei a postar, espero que gostem do final. Eu sinceramente adorei a última parte em especial.

(parte três)

Cronos

Cronos brincava despreocupadamente na varanda. Tinha seis anos agora. E como a mãe previu, era uma peste. Aprontava todas unido ao seu inseparável amigo, O-cão-mais-odiado-de-todos-os-tempos. Apelido carinhosamente dado por Cronos em pessoa. O porquê ninguém sabia. Mas uma coisa era certa, Cronos o amava.
Escutava da varanda os pais conversando. A professora o acusou novamente de aprontar com o colega de turma, Denis. Odiava aquele garoto. Não sabia o que era odiar, só sabia que o pai odiava os políticos e sabia que Denis ia ser um desses políticos no futuro, sabia não, tinha certeza. E por isso o odiava mesmo sem saber o que era odiar.
Um dos outros professores viu Cronos pintar a mochila do Denis durante o intervalo. Tentou levá-lo a direção, inutilmente, porque Cronos estava brincando na educação física sob o olhar de sua professora e ele não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Cronos não precisava estar em dois lugares ao mesmo tempo, só precisava estar em um lugar diferente em um tempo diferente.
Por isso a discussão. Os pais estavam preocupados com o filho. Alguma coisa sobre não ter muito tempo – não entendia porque isso seria um problema. Alguma coisa a ver com câncer. Alguma coisa a ver com a mãe precisar de ajuda no futuro. Alguma coisa sobre o pai não poder ficar por muito tempo. “Ela não precisava da ajuda de ninguém, é só ir ajudar mainha” pensava Cronos.
– Cronos, vem aqui por favor. Pediu o pai. Já conversamos sobre isso, não pode fazer mal aos coleguinhas.
– Mas pai, o Denis tinha machucado a Alice mais cedo puxando o cabelo dela.
– Você é um garoto muito amado e especial. Você fez a coisa certa, mas isso não importa. Você não deve fazer esse tipo de coisa, nunca.
–  Mas eu fiz ele pagar que nem o senhor faz no seu trabalho quando pune os malvados.
– Cronos, você não pode ser descoberto, não pode sair e fazer o que quer. Não é você que deve punir as pessoas. Você tem que brincar e crescer. Promete que nunca mais fará nada do tipo.
– Mas pai. E antes de continuar olhou para o pai e parou. Tá bom, prometo.
– Muito bem, agora vá brincar com o cão sei-lá-o-que.
Saiu pensando no rosto do pai. Sentia-se triste por ter deixado ele com aquela fisionomia.  Mal sabia ele do orgulho sentido pelo pai. Orgulho e preocupação. A dúvida e o medo sempre diziam que seu maior tesouro seria descoberto e seria trancafiado para estudos.
Denis aprontou de novo. E a vontade de sumir com as coisas dele foi muito grande, mas controlada pela lembrança da promessa feita ao pai. Devia ser forte e deixar para os adultos resolverem, afinal o pai era adulto e ele sempre sabe resolver tudo.
O escolar virou a esquina da rua e Cronos viu de relance luzes em vermelho e azul na frente de casa. Forçou o rosto contra a janela para tentar ver melhor, em vão. Quando desceu do ônibus viu que as luzes estavam na frente da sua casa. Correu em direção a ambulância e antes de chegar foi detido por Cleide. Olhou em volta procurando o pai ou a mãe. Sabia o que era aquilo, já havia visto, presenciado.
Tirou de si as mãos de Cleide. Olhava hipnotizado para aquela confusão de cores e pessoas. Sabia o que ia encontrar. Sua mãe, branca como a neve, parada olhando para dentro do veículo, desolada, destruída. Vizinhos em volta, curiosos. O-cão-mais-odiado-de-todos-os-tempos latia ferozmente de dentro da casa. Olhou para a esquina mais ao sul de onde estava e se viu por um instante. Tudo durou alguns segundos, na verdade foram eras. Não precisava perguntar, já sabia quem estava sendo levado pelos paramédicos.
Cleide o carregou para dentro de sua casa. O-cão-mais-odiado-de-todos-os-tempos veio lamber sua mão. Chorou aos seus calcanhares. Em direção ao quarto, só pode ouvir os murmúrios da sua acompanhante, indecifráveis. O mundo havia parado para ele; não, não o mundo. O tempo havia diminuído.
Cronos estava tão nervoso, o coração batia tão rápido, estava eufórico. Finalmente iria visitar o pai. Depois de tantos dias, poderia abraçá-lo. Ao descer do carro, cada passo parecia uma eternidade. Estranho era que isso sempre acontecia quando estava nervoso. Ainda não controlava como queria o pai durantes os treinamentos. “Nunca esqueça de respirar, Cronos” lembrou. “Mantenha a respiração, e sempre avance.”
A mãe o guiou para dentro do quarto. – Continue, Cronos, tenho que falar com o doutor. E foi avançando sempre, um passo por vez, sempre respirando. Com a respiração ofegante, o coração forte no peito – parecia que ia explodir – viu o pai na cama.
– E ai garoto, pode vir mais perto. Você já deve ter visto mesmo.
– Vi não pai. Respondeu olhando para o chão. Não queria mostrar que havia sido medroso.
– Não tem problema, garoto, sempre seja sincero com o seu coração.
O pai o puxou para a cama e o deitou ao seu lado. Cronos sentiu o afago nos cabelos e chorou até dormir. Assustou com um barulho pontual frenético. Era uma máquina ao lado da cama. Antes de poder pensar o que estava acontecendo foi puxado da cama por mãos fortes e firmes de um estranho vestido de verde, era o enfermeiro que o largou no colo da mãe. Não sabia o quanto havia dormido, e nem pensava nisso. Não conseguiu pensar em nada. Não conseguia respirar.
Olhou todas aquelas pessoas mexendo no pai, que o olhava e acenava para ele. Estava o chamando para mais perto. Devagar, tirou as mãos da mainha que o abraçava e andou em direção ao pai; dessa vez lembrou de respirar. Na parede, o relógio parou as onze horas e seis segundos. E ao chegar no lado da cama, pegou a mão do seu guardião, do seu herói. E como efeito, os dois estavam no mesmo instante, na mesma pausa do tempo.
– Oi filhão.
– Pai não morra por favor.
– Bem que eu queria garoto.
– Por que? Eu posso voltar.
– Não sei porque. Talvez nunca saberemos. Não quero que você faça isso, garoto.
– Por favor pai. Disse enquanto o pai acariciava suas bochechas. Eu preciso do senhor.
– Você tem as bochechas da sua mãe. Lembra quando eu viajei e fiquei alguns meses fora? Eu estava naquela praia que você ama tanto.
– Sim, eu lembro.
Silêncio.
Sentiu a mão no seu rosto descer devagar. Agarrou o mais forte que pode. Com a voz tremendo, começou a balbuciar:
– Pai, pai, pai. Repetia enquanto tentava segurar a mão pesada no seu rosto. Em vão.
– Pai! Gritou.
Enfermeiros, médicos, Mainha, todos se admiraram com aquela criança do lado da cama chorando. Afastaram-se para observar. Era só o que podiam fazer.
***
O sol energizava tudo a sua volta, as arvores, a areia, o mar. Nada escapava ao seu ardente toque. O vento soprava forte; contudo, como um carinho intenso e constante, alisava seu corpo. Podia sentir a força do vento contra seu corpo. O barulho da quebra do mar atraia os ouvidos para a seu ritmo constante. Sol, vento e mar uniam-se para criar a música do mundo. Um equilíbrio de beleza, força e sublime.
Caminhava por esse milagre e pensava na sua família, era tudo o que mais tinha de importante no mundo. E se tudo desse certo poderia viver com eles uma vez mais. Se o plano corresse bem, voltaria a ver sua esposa e seu filho. A esperança estava em cheque, tudo se resumia que o seu filho – aquele misterioso milagre – crescesse e se tornasse a pessoa poderosa que estava destinada.
Enquanto caminhava em direção ao soprar do vento iludiu-se com uma miragem. Duas sombras se projetavam a sua frente. Ilusão causada pela irradiação de calor advinda do tapete de areia. Dirigiu-se a ela com os pensamentos nas altas probabilidades e nas dificuldades que o futuro reservava a família. “Se o plano der certo, tudo ficará bem”.
Uma rajada de vento o chamou de volta a caminhada e olhou para a miragem: sua família o olhava de volta. O plano havia funcionado. Ali estavam, a sua frente, esposa e filho. Este crescido, não mais que um adolescente, não menos que um adulto; um jovem alto e bonito sorria e chorava; alegria e jubilo estampavam o seu rosto.

Correu o mais rápido que suas pernas o permitiram. Esqueceu de respirar, o coração explodia em seu peito, lágrimas escorriam pela sua bochecha. Sua família estava a sua frente e corria ao seu encontro também. Abraçou sua esposa, sua alegria, sua musa e amada, beijou-a nas bochechas, no queixo, na boca. Agarrou seu filho, abraçou-o fortemente. Estavam os três juntos novamente, unidos pelo milagre do seu filho, unidos além do tempo.

sábado, 1 de abril de 2017

Mainha
(parte dois)

O bebe a acordou. Ele se movimentava muito, sinal de saúde. Olhou as 7:45 marcadas no relógio sob o criado mudo. “Eita menino que vai dá trabalho esse, viu.” Respirou fundo e aguentou o mexe-mexe do pestinha. Soltou o ar com um sorriso que dizia mais sobre sua alegria do que qualquer poema já escrito.
Assustou-se por alguns instantes ao ver-se sozinha na cama. Ainda assustada, olhou em volta procurando-o só para achá-lo parado de frente a janela.
-- Amor? Chamou. Tá tudo bem? Perguntou. Um movimento nervoso na barriga a fez acariciar a barriga.
-- Amor?! Chamou novamente. Levantou da cama lembrando-se de respirar. De repente, o ar estava pesado. Alcançou o ‘fantasma’ e pegou no seu ombro. Despertou-o.
-- Oi, já está acordada hein, se sente ai que tenho algo para te falar.
-- Amor, sua mão está tremendo pra caramba. O que tem de errado? Fala logo que to nervosa.
Sentada, ouviu tudo. A história toda a surpreendeu de sobremaneira incrível. Por um instante achou que a pessoa a sua frente não era mais o homem com que se casara. Não era mais aquela pessoa que a surpreendia com suas ideias, com sua maneira de ver o mundo. Ele não parecia mais com a pessoa com quem escolhera dividir o mundo que estava em sua barriga.
Mas, algo estava errado. Os olhos dele estavam com uma energia que a hipnotizava. De alguma maneira, de alguma forma, aquela aventura narrada era verdade. Sendo ele doido ou não, ela acreditaria nele. Os olhos inflamavam seu espirito. Ele estava lá, aquela pessoa que ela amava. Aquela pessoa única que a ajudava e a queria feliz. As dúvidas que existiram por alguns instantes foram incendiadas por aqueles olhos.
-- Preciso ver por mim mesma. E foi em direção até A máquina.
Esses dois sempre foram apaixonados. Um mais que o outro. Não é muito difícil de imaginar quem dos dois. Mas em algum momento do tempo, depois de tantas desesperanças, de desistências. Algo mudou. Ela finalmente percebeu e algo nasceu. E não foi o bebe, afinal este só veio muito tempo depois, 17 anos. Algo lindo depois de tanto tempo, de tantas desesperanças, de desistências.
Subiu os degraus dA máquina sobre a metralhadora de desaprovação que era seu marido. Mulher teimosa. Ligou, deu partida, iniciou – qualquer que seja o nome dado para ligar a viagem. Com um clarão ela sumiu. Com um clarão, após o que pareceu séculos para quem ficou, ela voltou. E voltou acompanhada.
O bebê nascera durante a viagem.
A mãe e o filho foram ajudados por um pai incrédulo. O bebê nascera. Inacreditavelmente um bebê nascera em questão de minutos dentro de uma máquina do tempo. Meio que interpretando a pergunta estampada na cara do marido.
-- Falarei dentro de casa, por favor me ajuda com a criança antes. Falarei tudo que você quiser saber, mas me ajude antes. E contou tudo.
Contou toda a viagem. A forma das luzes e todas suas cores. As várias estrelas. Os vários inomináveis fenômenos encontrados. Disse que a viagem pareceu levar horas, talvez dias, para chegar no que parecia o passado. Relatou o mesmo encontro com suas personas do passado. E foi aí que sentiu a contração. Sentiu aquela dor descomunal e em desespero tentou voltar ao presente. No caminho de volta, no percurso onde o tempo parece parar, ela entrou em trabalho de parto. E, no que pareceu uma eternidade de silencio, um choro ecoou por todo aquele percurso de volta para casa.
Pegou aquela criatura que era o seu filho no colo e por horas, talvez dias, semanas, impossível dizer, olhou para criança. Eles tinham um filho. Uma criança nascida no tempo e fora do tempo.
Não conseguiu segurar um riso de satisfação com o espanto dele. O marido estava mais branco que ela – até a mancha atipicamente vermelha no braço estava branca – olhava para ela e para criança, mudo.
-- Terra para amor, está ai amor?
-- Estou, acho que estou, ta tudo bem com vocês dois?
-- Sim, tive tempo para me acalmar e pensar. Devemos destruir essa máquina.

-- Concordo. Amanha darei um jeito nessa coisa.